Andar a pé

Quarta-feira de cinzas. A cidade ainda está calma. Oficialmente o dia não começou. Tenho de andar até o ponto de ônibus – caminho que percorro todos os dias entre a minha casa e a via em que tomo a condução. Mas, cansada de ser mane, eu me armei com o meu bilhete único e resolvi colocar créditos numa lotérica a duas quadras do meu prédio. Nesses dois quarteirões, e os outros dois que tive de percorrer para voltar ao caminho habitual, conheci uma nova versão do meu bairro. Eu já havia passado por ali, mas como motorista. Vi hotéis, prédios que eu não reconhecia se eram comerciais ou de residências, pequenas lojas e lanchonetes que não condizem com o “status quo” do distinto bairro. Foi... interessante? engraçado? inusitado? Acho que apenas me deu uma perspectiva diferente. Uma sensação de estar ali – de fato e de verdade – pela primeira vez.


Fiquei no ponto de ônibus esperando pela única linha que me deixaria na porta do trabalho. Sim, passeou pela minha mente seguir outros itinerários e combiná-los para não ter de esperar. Afinal, foi por isso que carreguei meu cartão, meu bilhete único. Mas declinei. Quando finalmente o Pinheiros passou, eu subi e por naquele momento percebi – olhe não é nada original nem brilhante minha conclusão, melhor avisar logo – por que eu me senti tão parte do meu bairro minutos antes. A arquitetura dos prédios e suas dimensões são pensadas a partir da escala humana. É isso: rodamos de carro o tempo todo. Carro, ônibus, táxi. Mas a perspectiva da cidade é diferente para o pedestre. Caminhando pelas ruas a gente finalmente entende o recado dos arquitetos, questiona o uso da linguagem do concreto, se encanta com a combinação rua-árvore-fachada... Um novo mundo. Uma cidade que só se descobre a pé.

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