O valor do envelope ou Dia dos Pais

Nem me lembro quantos anos eu tinha quando soube pela primeira vez sobre os envelopes de dinheiro. Só tenho na memória que achei muito sem graça presentear alguém com notas de ... (vixe, não sei qual era a moeda corrente no Brasil: cruzado? Cruzeiro novo?).

Meu pai me explicou que era um jeito de dar exatamente o que as pessoas queriam, que no fundo era o melhor presente possível se a nossa intenção fosse realmente agradar. Continuei achando tudo muito besta, confesso.

Com seu jeito gosto-de-tudo-muito-bem-explicado, meu pai me iniciou nos envelopes, contando sobre os valores ali colocados. A fala era sempre pausada. E, eu, que sempre fui agitada, ia adiantando as frases para que a conversa se encerrasse logo. Ele não ligava. Simplesmente continuava a falar e, muitas vezes, simplesmente repetia frases inteiras.

Ele me explicava: quanto maior o apreço pela família, quanto mais estreito fosse o laço, mais dinheiro devia estar ali. “Mas também tem de ver as condições da família”, ele dizia como se o mundo inteiro tivesse de parar para ouvi-lo. “Às vezes um valor baixo representa muito para quem tem pouco.”

Há alguns anos, meus pais adotaram os envelopes para presentear no Natal e nos aniversários. Meus filhos adoram, mas sempre ficavam com a suspeita de que não gastamos todo o dinheiro deles em figurinhas ou brinquedos – razão que não vou tirar deles.

Também em uma das turmas de amigos, instituímos o envelope em casamentos. Quando tive minha primeira filha, os manos se juntaram e me entregaram um envelope bem gordinho. Ao contrário do que fazem os japoneses, nós não nos identificamos. Pelo contrário, instaura-se um anonimato solidário e o presenteado só sabe do valor total. A gente sabe que cada um deu o máximo que podia naquele momento.

Nunca havia relacionado, até quase um mês atrás, uma das ocasiões que pedem envelope: quando morre alguém. Desta vez, foi meu pai. Aos 66 anos, com um aneurisma de aorta abdominal roto (vou poupar vocês dos detalhes). Pois é, os envelopes. Eles ajudam a família a se reorganizar financeiramente com as despesas do velório e do enterro. Cada um coloca ali o valor que quer, que deve, que acha que deve ou que pode.

Meu pai morava em Araçatuba, uma cidade no noroeste do Estado. Fazia parte da Associação Nipo-Brasileira. Um dia depois do seu enterro, ainda dopada pela tristeza, fiz questão de “fazer a contabilidade” com a minha tia. Não eram muitos os envelopes se pensarmos na quantidade de pessoas que passaram por lá. A maioria dos que estiveram lá eram japoneses. Houve quem deixasse R$ 5, cuja identificação trazia um nome que não conhecemos. Mas a solidariedade estava toda ali. Arigatô.

Obrigada também a todos os envelopes virtuais, cheios de carinho, de amor e de todo o sentimento possível. Nesses momentos, vejo que de um jeito bem abrasieirado, sou mais japa que imagino. Por mais triste que eu ainda esteja – e sei que ainda vou ficar assim por muito tempo – eu só continuo em pé e sorrindo por causa de vocês. Muito obrigada!

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