Amigos sem nome

Mais um ano começa. E é sempre mais do mesmo. A gente deseja, a gente se propõe. Eu queria agradecer -- não sei a quem.

Mas sou grata pelos meus amigos sem nome. Eles fazem parte do meu dia a dia.

As moças que me atendem na padaria toda noite quando passo para pegar o pão -- uma delas sempre se lembra de mim e pergunta se, dessa vez, vou querer sacolinha de plástico. No começo, elas todas estranhavam. Depois perceberam que era um cuidado meu (mais plástico pra que, né, minha gente?). Passaram a olhar para mim e não apenas ouvir meus pedidos. Eu retribui, lógico. Se uma estava mais desanimada, eu logo perguntava: demora muito para acabar seu turno?

Os seguranças que ficam na porta da firma. Uns me dizem bom dia. Um deles sabe até o meu nome. Se eles não me olham (deviam, né? deviam olhar para todo mundo que entra), eu faço questão de cumprimentar. E tem a moça da recepção que trabalha com a Cris (o nome dela eu decorei!) -- eu falo com elas com mais frequência que deveria pois esqueço meu crachá em muitas demais ocasiões.

O tio da limpeza sabe quando eu estou cansada. Quando estou triste. Sempre me deseja um bom trabalho e que Deus me abençoe. E sempre sorri para mim, não importa se ele está triste ou cansado. E o moço que passa aspirador no andar (com quem já briguei por causa do barulho) já está tão próximo que me dá um oi colorido, sem vergonha alguma (adoro!).

As moças do carrinho têm paciência comigo quando eu olho, olho e não escolho nada. E têm a sinceridade naquele olhar de "eu sabia que você não ia comprar e ó não te esgano porque você é cliente". Eu sei que muita gente nem ganha esse olhar carregado de revolta verdadeira.

Gente, e a galera do estacionamento? -- quase me esqueço. Faz tempo que tenho deixado o carro na garagem. Eles mangam de mim quando saio cedo -- "já?". Querem saber do carro: "desistiu de dirigir?". Um deles é roqueiro - me mostrou mais de cem fotos outro dia.

A dupla do beco, onde eu compro o melhor hamburgão da Faria Lima (não obstante ser o único). U´a moça e um cara -- ela magrinha, sempre sorri. Ele, quando está atrapalhado, nem pergunta se eu quero o meu suco de tangerina sem açúcar.

O caixa do Pão de Açúcar, moço de fino trato. Depois de um tempo, ele passou a reagir às minhas piadas matutinas, pré-academia. Tô até com saudade dele -- da academia, não.

Eles me ajudam a acreditar que o mundo pode ser um lugar acolhedor. No meio de tanta indiferença. De tanta merda rolando na Luz. De tanta violência contra índios, pretos, pobres. De desrespeito pela natureza.

E que o carinho tem rosto. Mas não precisa de nome. Nem de sobrenome.

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