Braços abertos

Foto linda, no dia (seguinte) ao aniversário do Rio de Janeiro. Um clique espetacular de Marcello Vale


e então percebo que é tempo de ter paciência. comigo mesma.

é duro.

com os outros parece mais fácil, moralmente aceitável e socialmente desejável.

consigo mesmo parece egoísmo.

e a criação cristã que pede culpa no alívio das próprias mazelas e a hipocrisia de afrouxar com os outros.

Diante da pergunta "você quer se casar?", Maria engoliu seco e pediu tempo para pensar. Fazia tempos que repetia aqui e ali estar à espera de um novo amor. amor não. AMOR, com maiúsculas, daqueles de filme que a vida real estava dura demais para ela aceitar menos que TUDO.

Trazia lágrimas nos olhos. Muitas delas haviam corrido até a pergunta fatídica. De cara com aquele pedido -- ´para pensar e refletir sobre seu futuro --, ela respirou fundo. Puxou os ombros, como se precisasse encostá-los nas orelhas. Era um ato de desespero, era preciso provar que ela conseguia. Esticar os ombros e decidir seu futuro.

Tinha duas semanas de prazo.

No meio da primeira, começou a perceber: não eram os amores que esperava. Ela corria era da desesperadora realidade que insistia não admitir. Era dura sua vida. Não que deixasse de gargalhar, de entreter e de se distrair. Mas havia um certo exagero em toda aquela alegria, como as mais jovens teimavam em perseguir.

O problema era outro. Escolher uma vida, uma fantasia e um combo de sonhos é uma coisa. Correr, fugir, tergiversar da sua própria vida era outra -- que não parecia, mas era bem diferente.

Tomada sempre por tantas ideias, imaginações, propostas, provocações, inquietações, revoltas, amores, rumores, costuras, mesuras, ajudas, distrações. Não dava tempo de viver. O tempo que se alongava para que as tarefas lhe coubessem. Um dia parecia uma semana, uma semana, um mês. Um mês, um ano. E, em duas ou três piscadelas, a semana voava numa sensação de que muitas mais horas haviam sido dragadas. Sobrevivia, mas, numa estranha contradição, os questionamentos eram mais existenciais do que permitia a profundidade de suas tarefas e dores.

Beirava a loucura.

E voltou para a pergunta: você quer se casar?

Talvez quisesse. Não que soubesse. Faltava-lhe ar. Primeiro sumiram os cheiros. Depois veio uma necessidade de aprofundar o fôlego. De noite, as ideias lhe tapavam o nariz. Assustada, balançava a cabeça para retomar a alma. Ela estava lá. A alma. O ar. A testa franzida, os lábios apertados num bico infantil.

Mas e os planos? Percebeu que havia milhares de grãos de sonhos. Eram tantos. Por que insistir em pegar essa areia com as mãos em conchas, mas com os dedos abertos?

Suspirou. Procurou dentro de si a vontade de colocar o ar para dentro. De procurar uma sobrevida. Mas não sentia o cheiro que o vento anunciava como chuva. O corpo doía, em resposta ao massacre que ela mesma se impusera ou ao qual se expusera -- que diferença ser um ou outro faria?

PS: quer ver mais fotos lindas do Marcelo Valle, cola no Facebook dele.

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